Conto: A Mente

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Era um dia conturbado em minha vida. Sentia a brisa tocando minha pele e quanto mais eu andava, mais lágrimas deslizavam em meu rosto. Era comum fazer uma temperatura tão baixa, pois ao meu redor existia uma grande quantidade de serras.
Acho que fazia uns 30 minutos que eu caminhava de encontro à velha ponte da cidade, e quando sai de casa o sol estava se pondo. A ponte tinha uma estrutura enferrujada e ligava a cidade à uma pequena fábrica de brinquedos abondonada desde a época em que eu era criança. Na ponte, a luz da lua me auxiliava e pude observar onde estava. Sempre que me sentia triste, aquele era o lugar onde conseguia retornar para a luz, isso era comum. Não podia ser diferente naquele momento, eu não me sentia bem. Minha vida era um lixo e cada vez mais eu afundava nessa afirmação.
Morava com minha mãe e meu padrasto numa pequena cidade chamada Anima. Perdi meu pai quando tinha sete anos de idade em um acidente de carro. Esse foi o início das desgraças em minha vida.
Tinha poucos amigos e passei toda minha adolescência vagando em clínicas de psicologia. Eu era o estranho na escola. E sempre que me sentia mal eu andava até a velha ponte enferrujada, sentava no meio e olhava o que passava por baixo dos meus pés. Mas naquela noite era diferente. Eu não estava ali para acabar com minha tristeza e sim para me entregar a ela. Eu queria entender o porquê de existir. Nada em minha vida dava certo e além de tudo me sentia perdido. Dessa vez as trevas me rodeavam. 
A lua que sempre cantava para me consolar, dessa vez estava calada. Minhas roupas eram poucas e isso aumentava o frio que me castigava. As lágrimas haviam cessado, e eu me concentrava apenas no rio que passava por baixo da ponte. Era verdade, eu sentia a necessidade de cair de encontro às águas. Precisava ser purificado. E minha única forma de ser purificado era me entregar às águas e sumir desse mundo que nunca me acolheu.
Fechei meus olhos e depois de olhar pela última vez as formas de vida ao meu redor decidi pular, mas antes senti algo queimar o meu ombro esquerdo. Era um “calor frio” e quando olhei sobre o meu ombro vi uma chama azul. Assustei-me com o que vi. A chama se aproximou e com uma suave voz disse:
– Não se entregue! Estou aqui, sou sua razão.
– O que é você? - eu perguntei sem perceber que em partes a coisa havia me dado a resposta sobre quem ele era.
– Sou a razão. Alguns chamam–me de bondade, outros de yang, e até mesmo de anjo, mas na verdade sou o seu Super-ego. Sou parte do seu ser, sou sua bondade e a sua virtude.
– O que você quer de mim? – eu disse me afastando da beira da ponte e me sentando na parte mais baixa.
– Vim para ajudá-lo a fazer a escolha certa.
– Qual a escolha certa?
– Ela é obvia. – a chama azul saiu de onde estava e foi para minha frente. -- Não cometa...
A voz foi interrompida e de repente a chama começou a desaparecer e a minha frente ficou vazia. Era estranha a sensação do que estava sentindo. Com certeza eu estava enlouquecendo. Era o que parecia ser verdade até que eu comecei a escutar uma voz chamar o meu nome. Quanto mais me aproximava da fábrica, mais eu escutava alguém me chamar. Dessa vez a voz não era suave, pelo contrário, era pesada e ao mesmo tempo sensual despertando em mim desejos que por muitas vezes escondia. 
Passei pelo grande portão da fábrica. Não havia nada lá dentro a não ser muito entulho. Os ratos passavam ligeiramente, mas sem se importar com o que estava em volta. A minha visão naquele lugar não era tão boa, afinal a única luz que chegava a parte interior era da lua cheia. No centro daquele salão vi uma nova chama que pairava no ar. Dessa vez era uma chama vermelha que emanava um calor quente.
– Cheguei a pensar que você não viria. – disse a chama que estava a minha frente.
– Você está diferente.
– Não sou igual aquele que me comparas. Sou melhor, forte e destemido. Sou a energia dos instintos e dos desejos em busca da realização do prazer. Sou a libido. O que muitos chamam de demônio. Não se assuste. Sempre estive com você. Desde o momento em que nasceu. Sou o seu ID.
– E você o que quer de mim? – eu perguntei asperamente.
– Tenha quietude Ego. Só vim para ajudá-lo. Entregue-se ao prazer. Ao seu desejo de se entregar as águas. Dê sua vida a elas. É a escolha que você deve tomar. Tudo irá acabar. Toda sua vida terá um objetivo, a morte.
– Eu quero isso. – eu disse a mais pura verdade. 
A chama tocou-me e senti o calor sobre todo meu corpo. Comecei a ver todas as coisas que vivi até aquele momento. A pobreza que via todos os dias ao meu redor. A morte cruel de minha tia que foi estuprada e assassinada. A corrupção que perece no mundo. O exato momento em que meu pai perdeu o controle do carro e bateu e caiu em um desfiladeiro. Todas as coisas ruins vagavam em minha mente naquele momento. Entendi o que estava acontecendo. O ID estava me mostrando como era ruim viver. Antes de perceber estava novamente no meio daquele lugar abandonado.  
– Já chega! – a voz suave e fria retornou. – Como ousa chegar a esse ponto para seduzi-lo.
– Estou apenas mostrando a verdade que estar escondida entre nós. – disse a voz sensual e sagaz.
– A verdade é obvia, quando ele se submete a você, o ego torna-se destrutivo e imoral. Como acha que todo esse desejo irá acabar? Será apenas mais um desejo realizado e nada mais. A morte o levará ao nada. A sua própria destruição.
-- Não me importo, eu sou o instinto, o impulso orgânico, os desejos inconscientes regidos pelo princípio do prazer, eu quero o agora. – quanto mais o Super-Ego falava mais brilhante ele parecia na escuridão.
– Observe Ego e sinta a verdade.
Dessa vez eu senti um calafrio em meu corpo. Apesar de sentir um ar gélido, eu sentia paz. Novamente comecei a ver imagens, mas dessa vez não eram coisas ruins, pelo contrário, eu via coisas bonitas. Vi o momento exato em que aprendi a andar de bicicleta com o meu padrasto. Minha mãe dando um prato de comida para o morador de rua. E as gargalhadas dadas por mim e meus poucos amigos.
– Besteira. Isso é uma falsa verdade. Isso é tudo pena. Sentem pena dele. – disse o ID com uma voz sarcástica.
Enquanto eles discutiam, eu me perguntava se aquilo que acontecia era certo. Afinal, independente dos meus sentimentos eu sempre tomei minhas próprias decisões. Então decidi tomar uma posição.
– Parem! – assim que pedi o silêncio voltou ao lugar. – Eu sou o Ego. Eu sou Vinicius, ou Vinny como muitos me chamam. Sou o ponto de equilíbrio entre vocês. Entendam que independente da posição que eu tomar sobre vocês, ambas estarão certas. Em alguns momentos deverei ser moral e já em outros, imoral. Nada em exagero é bom. É necessário haver respeito para ser respeitado. Sim, eu estou mal, talvez acabar com minha vida seria a decisão certa. Mas assim fugirei de mim mesmo. Tenho que lutar. Sou humano, tenho consciência e inconsciência. Quero o equilíbrio!
Nesse exato momento eu fechei os olhos e os abri lentamente. As chamas haviam esvanecido. Não estavam em meu campo, mas eu os sentia. O calor ambíguo em meu peito pulsava.  
Sai daquele lugar. E tudo parecia como antes. A lua novamente cantava para mim, silenciosamente, mas cantava. 

Espero que tenham gostado desse primeiro conto!


2 comentários

  1. Que lindo adooorei :)
    Uma grande lição, me para e pensar em algumas atitudes :)
    Beijoos
    Bruna-Livros de Cabeceira

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  2. Eu também adorei o conto.
    Obrigada Chris pela contribuição no blog.

    Bjo

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Retribuirei todos!

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